quinta-feira, 18 de agosto de 2005

Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...



Alexandre O'Neill
in Feira Cabisbaixa

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ó Portugal, tenho pena que em vez de três sílabas, tenhas apenas, e neste momento, só cinco letrinhas!!!!

2:40 da tarde  
Blogger mfc said...

Depois do meu regresso de férias, ler aqui o retrato do edílico, mas que não é, do nosso Portugal, alertou-me para a tristeza que continuamos a ser.
É um desalento.

2:06 da manhã  
Blogger Alberto Oliveira said...

Se o Alexandre "cá voltasse",
ia-se embora outra vez
e de cara bem fechada;
não sem que antes poemasse
sobre a nossa "pequenez"
que é marca registada...

11:40 da manhã  
Blogger O Pi@d@s said...

Maria Papoila, olha que o pan engorda!...
;-)

1:36 da tarde  
Blogger saltapocinhas said...

Belo poema e muito bem escolhido!

4:52 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E Portugal das francesinhas e tripas à moda do Porto, pois então.

6:56 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Por favor ....Portugal de plático não! Ele já arde tão rapidamente...imagina se fosse de plático. Óptimo fds e uma beijoca da intemporal

8:10 da tarde  
Blogger Santos Passos said...

Quando em janeiro deste ano visitei JCB, ele emprestou-me um livro. Dois dias depois nos revimos. Eu comentei: Comecei a ler o livro que me emprestaste. É lindo, mas muito triste. E ele:
- Mas é assim que somos, os portugueses.
Esse poema parece confirmar o que JCB me disse.

1:52 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Oi...estou lendo agora seu blog.
Bom fim de semana!!!
Beijos :)

7:07 da manhã  

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